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CEFET-MG

Dia da Mulher na Ciência: painel discute avanços e dificuldades para pesquisadoras

Quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

No Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, duas cientistas envolvidas com estudos sobre gênero, das ciências humanas e exatas, traçam questões sociológicas e críticas sobre o tema.

Montagem_Professoras

Da esquerda para a direita: Ana Elisa Ribeiro e Karla Torres

Em 2015, foi aprovado pela Assembleia das Nações Unidas o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, celebrado a cada ano no dia 11 de fevereiro. A ação, liderada pela Unesco e pela ONU Mulheres, visa gerar discussões sobre a sub-representação feminina nos campos da ciência, tecnologia, engenharia e matemáticas.

Essa condição se explica pois a mulher têm mais obrigações sociais e, por isso, menos tempo para a produção científica. “Creio que mulheres pesquisadoras, assim como eu, têm multitarefas, pois muitas são mães, cuidadoras de seus genitores e, mesmo com apoio de seus companheiros, ainda têm o popular ‘turno do lar’ para gerenciar e administrar … E isso certamente pode reduzir a quantidade de produção acadêmica e tempo dedicado exclusivamente à investigação da pesquisa, já que os resultados têm prazos e investimentos”, analisa a pesquisadora Edilaine Gonçalves Ferreira de Toledo, que coordena o Grupo de Estudos Linguísticos, Literários, Discursivos e Semióticos (GELLDIS) no CEFET-MG em Varginha.

Para ampliar o debate sobre o assunto, que revela, inclusive, diferenças entre áreas de atuação da mulher (humanas e exatas), convidamos a pesquisadora Ana Elisa Ribeiro, doutora em Linguística Aplicada, que lidera um grupo de pesquisa sobre mulheres editoras no Brasil, com apoio da Fapemig; e Karla de Souza Torres, doutora em Engenharia e Tecnologias Espaciais, que coordena o Núcleo de Estudos sobre Gênero e Diversidade (NEGED).

Segundo o Instituto de Estatísticas da Unesco, apenas 28% dos pesquisadores do mundo são mulheres. Quais podem ser as possíveis razões para essa disparidade no meio científico?

Ana Elisa: A razão para isso é naturalizada, mas é evidente também: um sistema de convivência que dividiu as tarefas e possibilidades entre homens e mulheres, de maneira que estas ficassem sem estudos, dedicadas ao cuidado da casa, da prole e dos homens, enquanto eles iam para a rua, para o trabalho, para o que seja socialmente considerado “inteligente” e valorizado. Nas Humanidades, sempre tivemos mais mulheres, embora, curiosamente, a maioria esmagadora dos autores emblemáticos da História, da Sociologia, da Antropologia, da Filosofia e mesmo da Letras seja… homens. Tanto na ciência, quanto nas artes, há vários exemplos de esposas ou de assistentes geniais, mas que viveram à sombra de seus maridos ou mestres. A lógica de quase tudo na academia (horários, quando fazemos viagens a trabalho, etc.) é difícil para uma mulher que seja mãe, por exemplo. Um homem costuma passar bem por comportamentos como a ausência de casa para congressos, dias e noites em laboratórios, etc. A disparidade, portanto, é muito antes social do que científica. A ciência séria é onde a mulher não chega, porque ficou pelo caminho, sem o apoio de todos.

Karla Torres: Primeiramente, somos desestimuladas desde crianças a nos engajarmos em brincadeiras de maior investigação, ação e pesquisa, para participarmos de brincadeiras mais relacionadas ao cuidado doméstico. Ao longo de nossas vidas, essa divisão continua, mesmo se vencermos as restrições iniciais e tentarmos entrar para áreas conhecidas como “masculinas”, como as da engenharia e da tecnologia de informação. Preconceitos formados e reforçados na sociedade vão afastando as mulheres desses assuntos, fazendo-as acreditar que não são capazes de se identificar ou de serem bem-sucedidas nos mesmos. Esse tipo de dificuldade horizontal é conhecido na literatura como “labirinto de cristal”. Outro tipo de desafio é aquele relativo ao crescimento profissional de uma mulher dentro de uma determinada área. Apesar de muitas vezes não haver nenhum tipo de obstáculo visível ou declarado, uma mulher vai sentir maiores resistências para conseguir ocupar cargos de liderança e de destaque em função de preconceitos conscientes ou inconscientes de gênero. Esse tipo de dificuldade vertical é conhecido na literatura como “teto de vidro”. A falta de reconhecimento e visibilidade do trabalho de mulheres na ciência também contribui para o equívoco de que elas não são tão capazes de fazer ciência tanto quanto os homens. A invisibilidade de pesquisadoras que têm seus trabalhos atribuídos aos colegas homens é chamado de “Efeito Matilda”, e é mais um fator que contribui para essa disparidade.

De acordo com um relatório de 2017 da editora científica Elsevier, metade dos artigos científicos produzidos no Brasil são assinados por mulheres, um avanço considerável no comparativo com o período de 1996 a 2000, quando elas assumiam a autoria de 38% das publicações. Quais avanços, na prática, puderam ser percebidos nesses últimos anos, considerando, especificamente, o recorte de gênero?

Ana Elisa: É preciso ver que áreas estão em jogo nessa pesquisa da Elsevier, mas se houve esse crescimento geral, é bom sinal de que mais mulheres têm conseguido equilibrar muitos pratos. No entanto, fico me perguntando: as mulheres publicarem mais tem a ver com quê? Com o esforço maior ainda delas? Com uma mudança também no sistema patriarcal em que vivemos? Com menos misoginia e preconceito? Com mais mulheres também em instâncias de comando e decisão? Com um olhar que muda sobre a produção científica? Esses artigos são de autoria única, individual? Houve alguma mudança de critério ou conceitual nessa pesquisa? Cresceu, por isso, algum outro número (divórcios, por exemplo)? Ou diminuiu algum outro (casamentos, filhos)? Tenho algumas suspeitas sobre isso, mas é importante que a inteligência seja também um atributo feminino, desde sempre, desde que as meninas estão no jardim de infância.

Karla Torres: Nas últimas duas décadas, tivemos no Brasil a criação de alguns programas de incentivo à participação da mulher na ciência, com é o caso do programa Mulher e Ciência, criado pelo governo federal em 2005 para estimular a pesquisa na área de gênero e a participação das mulheres nas ciências e carreiras acadêmicas.  No ano de 2013, foi lançado pelo CNPq o projeto Pioneiras da Ciência no Brasil, que traz, em cada edição, 10 histórias sobre pesquisadoras brasileiras que ajudaram a solidificar a Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) no Brasil. No entanto, nos últimos anos, esses programas estão ameaçados pelos cortes cada vez maiores nas áreas de educação. Uma das iniciativas do Mulheres na Ciência, por exemplo, o Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero, teve sua última edição em 2015.  Outras ações do CNPq, como os editais de Relações de Gênero, Mulheres e Feminismos e a chamada Meninas e Jovens nas Exatas, Engenharia e Computação tiveram suas últimas edições em 2012 e 2013, respectivamente.

Ao todo, 15.161 pesquisadores brasileiros recebem a bolsa de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), paga aos cientistas de maior destaque em suas áreas, apenas 5.388 (35,5%) são mulheres. O que esse dado revela?

Ana Elisa: Menos mulheres em todos os estratos e menos mulheres no topo, como bolsistas de produtividade. Os “cientistas de maior destaque” provavelmente continuam sendo homens, pessoas que não perdem prazos, pessoas que são bem avaliadas por outros tantos homens, que decidem com quem ficarão as bolsas. Pessoas que dedicam muitas horas ao trabalho e ao estudo, chegam em casa e continuam podendo fazer isso, sem se preocupar com mais dez ou vinte outras coisas, sejam pequenas ou grandes, que as empurrem para a cama exaustas e sem condições de pensar ou escrever. Pode ser isso. O banal, neste caso, não é banal. Para uma cientista, de qualquer área, que deseje realmente seguir carreira e se destacar, apoio é deixá-la estudar, estar concentrada. Mas como? Também é importante que as estruturas (sabemos do nosso machismo estrutural) se mexam, melhorem.

Karla Torres: Esse dado revela que, além de não levar em conta as diferentes realidades de homens e mulheres na ciência, a seleção de bolsistas pode ter um viés de gênero, dando maior credibilidade à relevância de trabalhos desenvolvidos por homens e maior confiança na produtividade deles. Uma das questões relacionadas é a falta de um direito estabelecido de licença-maternidade. Somente em 2006, o CNPq aprovou uma portaria que concede 90 dias de afastamento para as bolsistas após o parto. Quatro anos mais tarde, a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal do Nível Superior) permitiu a prorrogação de benefícios para pós-graduandas por até quatro meses.

As universidades concentram a maior parte da pesquisa produzida no Brasil. Mas nelas, as mulheres ocupam poucos cargos de gestão acadêmica. Atualmente, das 68 universidades públicas federais, apenas 19 têm reitoras, menos que 30%. Como isso pode interferir em políticas e ações de valorização da mulher na pesquisa?

Ana Elisa: Não basta olhar quantas mulheres estão em cargos de direção e decisão. É interessante ver em quais. As pró-reitorias mais estratégicas ou mais “importantes”, por exemplo, estão com elas? Às vezes tenho a nítida impressão de que com as mulheres ficam as pró-reitorias ou diretorias de “consolação” ou aquelas que vão lidar com aspectos mais sociais e estudantis. Quantas pró-reitoras de pesquisa e pós-graduação ou de planejamento temos? É uma pergunta que vivo me fazendo. Nem todos, mas muitos homens sequer sabem o que suas colegas fazem. Por que as chamariam ou indicariam para cargos? Ainda trabalhamos em “clubes”, às vezes. É importante que as mulheres não assumam também posturas masculinizadas para chegar a algum lugar. Será insustentável. Precisamos mudar nossas sensibilidades com o tempo. Espero que seja possível, dentro de poucas gerações.

Karla Torres: A falta de representatividade em cargos de decisão é um dos maiores entraves para a equidade de gênero em nossa sociedade. Quando se tem homens decidindo por mulheres em diferentes âmbitos sociais, dificilmente as necessidades específicas do gênero feminino serão levadas em conta ou, se forem, dificilmente serão prioridade. Sem contar que a falta de representatividade ainda desestimula que outras mulheres se vejam nesses espaços, o que piora a questão ao longo do tempo. No âmbito científico não é diferente. Diante das dificuldades que meninas e mulheres passam durante a vida para entrar, atuar e permanecer na área científica, ações afirmativas são necessárias para contribuir para a igualdade de gênero na ciência, e somente mais mulheres em cargos de gestão poderão fazer dessas uma real prioridade.

Redação – Secretaria de Comunicação Social/CEFET-MG